O
MEU 25 DE ABRIL DE 1974
Évora.
7,20h.
Toca,
como habitualmente o despertador, anunciando-me que está aí mais um dia de
Escola.
Entre
bocejos e a pouca vontade em me levantar, lá vou despertando, ao som da música
(ainda hoje mantenho esse hábito) do RCP (Rádio Clube Português).
Estranhei
a música! Não era Pink Floyd, Creedence Clearwater Revival, The Who, Animals,
Deep Purple, Eagles ou qualquer artista português da época. Pelo contrário, era
uma música que eu não identifiquei e nem me identificava. Não relevei.
Tomei
o pequeno-almoço a correr (como sempre fazia) e dirigi-me para a Escola, porque
era quinta-feira, as aulas começavam às 8h e a Contabilidade (que era aula de
2h) não podia começar sem mim!
Chegado
à aula, devíamos estar todos. Mas nada de anormal transpirou. Até o mais
politizado e politicamente informado de todos nós, nada deixou transparecer.
Porque não sabia de nada! E ele, (veio a saber-se mais tarde), que estava
referenciado pela PIDE de Évora, para ser preso no dia 1 de Maio, por altura do
já tradicional encontro de cantores “do
contra”, em Viana do Alentejo. Portanto, até às 9h, o Deve e o Haver da
Contabilidade Analítica, decorreram como decorriam sempre – o professor a
debitar matéria, com os mais estóicos (onde eu me incluía) a tentarem perceber
a matéria, e outros, cá para trás, enrolados nos seus capotes, a descabeçarem
duma noite que era sempre curta.
Suou
o “gong” das 8,50h – sinal que tinha
terminado a primeira parte da aula. Tempo de intervalo. Tempo para ver os
amigos de outras turmas que iriam entrar às 9h.
Quando
entrámos no polivalente (local de convívio da Escola), já se ouviam rumores de
que algo politicamente importante tinha acontecido. De imediato, nós, os mais
velhos, fomos tentar encontrar o Padre Alves Gomes, que era assim uma espécie
de “patrono do pessoal”. Um Homem que
sempre esteve ao lado dos alunos, que os ajudava nas mais variadas dúvidas
cognitivas e que, por vezes, ultrapassava determinados limites da Igreja da
época e dispunha-se a interpretar S. Agostinho, naquilo que o Santo tinha de
mais rocambolesco. Era um verdadeiro guardião dos alunos e do qual todos gostavam
e ouviam.
Em
5 minutos, o Padre Alves Gomes (de telefonia encostada ao ouvido), tinha à sua
volta, não só a minha turma, mas outros tantos alunos.
Lá
nos foi informando que teria havido um golpe de Estado, mas que a informação
estava a correr a conta-gotas e que pouco mais poderia dizer.
O
tempo passa, e pelo sim pelo não, o Director da Escola, mandou todos para casa.
Deveria ser já perto do meio-dia, quando finalmente, recolhi a casa, depois de
uma parte da manhã vivida entre a dúvida, o medo e a esperança. Para nós, os
rapazes, a grande esperança de já não irmos bater com os costados à guerra do
Ultramar!
Lembro-me
de ter passado o resto da tarde e noite alta, agarrado à minha rádio, a mesma
que me tinha acordado com uma música que não consegui interpretar, na ânsia de
saber mais notícias. Se o regime tinha finalmente caído. Se o fascismo que tantos
jovens matou em África, ao serviço de interesses que não eram os daqueles que
morreram ou voltaram estropiados, finalmente estava com a certidão de óbito
passada.
Não
havia telemóveis nem internet! E os telefones fixos eram também muito poucos,
pelo que a troca de impressões sobre o que estava a acontecer com os meus
colegas de Escola e de turma, só poderia continuar na sexta-feira. Acabou por
continuar só na semana seguinte, porque sexta-feira a Escola esteve encerrada.
Foi
com uma alegria incontida e uma esperança alvoraçada, que me deitei.
Na
capital do “meu Alentejo”, tentei
dormir, mas só tarde, muito tarde o consegui fazer.
Tinha
16 anos!
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