segunda-feira, 21 de abril de 2014


                          O MEU 25 DE ABRIL DE 1974
 
Évora.
 
7,20h.
 
Toca, como habitualmente o despertador, anunciando-me que está aí mais um dia de Escola.
Entre bocejos e a pouca vontade em me levantar, lá vou despertando, ao som da música (ainda hoje mantenho esse hábito) do RCP (Rádio Clube Português).
Estranhei a música! Não era Pink Floyd, Creedence Clearwater Revival, The Who, Animals, Deep Purple, Eagles ou qualquer artista português da época. Pelo contrário, era uma música que eu não identifiquei e nem me identificava. Não relevei.
Tomei o pequeno-almoço a correr (como sempre fazia) e dirigi-me para a Escola, porque era quinta-feira, as aulas começavam às 8h e a Contabilidade (que era aula de 2h) não podia começar sem mim!
Chegado à aula, devíamos estar todos. Mas nada de anormal transpirou. Até o mais politizado e politicamente informado de todos nós, nada deixou transparecer. Porque não sabia de nada! E ele, (veio a saber-se mais tarde), que estava referenciado pela PIDE de Évora, para ser preso no dia 1 de Maio, por altura do já tradicional encontro de cantores “do contra”, em Viana do Alentejo. Portanto, até às 9h, o Deve e o Haver da Contabilidade Analítica, decorreram como decorriam sempre – o professor a debitar matéria, com os mais estóicos (onde eu me incluía) a tentarem perceber a matéria, e outros, cá para trás, enrolados nos seus capotes, a descabeçarem duma noite que era sempre curta.
Suou o “gong” das 8,50h – sinal que tinha terminado a primeira parte da aula. Tempo de intervalo. Tempo para ver os amigos de outras turmas que iriam entrar às 9h.
Quando entrámos no polivalente (local de convívio da Escola), já se ouviam rumores de que algo politicamente importante tinha acontecido. De imediato, nós, os mais velhos, fomos tentar encontrar o Padre Alves Gomes, que era assim uma espécie de “patrono do pessoal”. Um Homem que sempre esteve ao lado dos alunos, que os ajudava nas mais variadas dúvidas cognitivas e que, por vezes, ultrapassava determinados limites da Igreja da época e dispunha-se a interpretar S. Agostinho, naquilo que o Santo tinha de mais rocambolesco. Era um verdadeiro guardião dos alunos e do qual todos gostavam e ouviam.
Em 5 minutos, o Padre Alves Gomes (de telefonia encostada ao ouvido), tinha à sua volta, não só a minha turma, mas outros tantos alunos.
Lá nos foi informando que teria havido um golpe de Estado, mas que a informação estava a correr a conta-gotas e que pouco mais poderia dizer.
O tempo passa, e pelo sim pelo não, o Director da Escola, mandou todos para casa. Deveria ser já perto do meio-dia, quando finalmente, recolhi a casa, depois de uma parte da manhã vivida entre a dúvida, o medo e a esperança. Para nós, os rapazes, a grande esperança de já não irmos bater com os costados à guerra do Ultramar!
Lembro-me de ter passado o resto da tarde e noite alta, agarrado à minha rádio, a mesma que me tinha acordado com uma música que não consegui interpretar, na ânsia de saber mais notícias. Se o regime tinha finalmente caído. Se o fascismo que tantos jovens matou em África, ao serviço de interesses que não eram os daqueles que morreram ou voltaram estropiados, finalmente estava com a certidão de óbito passada.
Não havia telemóveis nem internet! E os telefones fixos eram também muito poucos, pelo que a troca de impressões sobre o que estava a acontecer com os meus colegas de Escola e de turma, só poderia continuar na sexta-feira. Acabou por continuar só na semana seguinte, porque sexta-feira a Escola esteve encerrada.
Foi com uma alegria incontida e uma esperança alvoraçada, que me deitei.
Na capital do “meu Alentejo”, tentei dormir, mas só tarde, muito tarde o consegui fazer.
Tinha 16 anos!
 

 

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